Ponto de Vista

Explicando o mercado – Eduarda C. de La Rocque

Edição 56

O VaR como instrumento de controle de risco

O objetivo deste artigo é comentar a reportagem “Aumenta a importância da área de controle de risco”, publicado na edição nº 52 de Investidor Institucional (15 mar/99), mais especificamente a afirmação de um dos entrevistados de que “o VaR (valor em risco) como método de gestão de risco é ultrapassado”. Discordo profundamente não só da afirmação como da maior parte dos argumentos utilizados para fundamentá-la. Ao longo deste artigo farei uma análise crítica destes argumentos. Espero assim estar suscitando o debate e, portanto, contribuindo para a disseminação da teoria e cultura de análise de riscos no Brasil.
O ponto principal a ser defendido neste artigo é o de que o VaR –quando entendido em seu contexto mais amplo- é o instrumento mais eficaz para o controle de riscos. Pode-se (e deve-se) criticar alguma(s) metodologia(s) específica(s) para o cálculo do VaR, mas nunca o conceito – cujo significado é o que há de mais simples e importante numa gestão de riscos: qual é o “Valor em risco”, ou seja, qual a perda potencial da carteira? No que denomino “contexto mais amplo do Valor sob risco” deve- se combinar VaR probabilístico e análise de cenários.
São necessários pelo menos dois números para o controle de risco: o “valor sob risco” em períodos de normalidade (determinado pelo VaR probabilístico) e o “valor sob risco em situação de stress” (determinado através da metodologia denominada “análise de cenários”, utilizando-se o pior dentre os “cenários catastróficos – nota-se que o “stress testing” é um caso particular da análise de cenários). Os dois números são complementares e não substitutos. Os resultados de back testing do VaR probabilístico mostram a sua utilidade e adequação à sua função específica – que é a de estimar perdas potenciais em períodos de normalidade, e não a de prever eventos catastróficos (do que a instituição deve se precaver utilizando-se dos cenários de stress). No Banco BBM, estabelecemos um limite de VaR e um de stress, tanto para o banco, quanto para os fundos do BBM Assets.
Seguem os argumentos utilizados contra o VaR (expressos entre aspas e em itálico) e minha análise sobre eles.

“Abandonamos o VaR porque parte de uma volatilidade implícita, foi criado para mercados desenvolvidos e, no Brasil, temos níveis de volatilidade e riscos absurdos. […] Além disso, o VaR tb. poderia induzir a um conservadorismo injustificado” (exemplifica-se com a maxidesvalorização ocorrida em janeiro, que tenderia a ser carregada na estimação da volatilidade, distorcendo as possibilidades reais de risco).

Discordo que os níveis de volatilidade e riscos “absurdos” do mercado brasileiro inviabilizem a adoção da metodologia VaR. Ela serve sim para o Brasil, desde que feitas as devidas correções – e o exemplo da máxi é excelente para prová-lo.
Alguns bancos estrangeiros estabelem regras rígidas baseadas no Acordo da Basiléia – por exemplo a de se considerar uma janela de pelo menos 252 dias e utilizar-se um parâmetro de decaimento exponencial de pelo menos 0.94. Esta regra traz erros de fato muito sérios na estimativa do VaR. No caso recente da máxi, por exemplo, a adoção desta regra faria com que houvesse erro tanto na “ida quanto na volta”, pois faria com que a volatilidade do câmbio demorasse a subir (e ela no espaço de três dias foi multiplicada por 100, o que foi imediatamente embutido no nosso modelo) e depois demorasse a cair (fazendo com que o efeito da máxi se perpetue superestimando a volatilidadade do câmbio até nos dias de hoje). No entanto não é o modelo VaR que gera este tipo de distorção, mas sim as regras rígidas.
Seria de fato absurdo considerar uma janela de 252 dias para estimar a volatilidade do câmbio nos dias de hoje. A grande diferença entre o Brasil e os “mercados desenvolvidos” é, além do nível da volatilidade, a sua instabilidade. Por isto, aqui é ainda mais importante que se utilizem modelos de volatilidade variante no tempo: Modelos ARCH e seus derivados ou amortecimento exponencial com o parâmetro correto – o parâmetro ideal para o Brasil tende a ser menor do que os 0.94 sugeridos no Riskmetrics e também deve poder variar no tempo, de acordo com a “intuição” do analista de risco. É muito importante não haver regras rígidas para a determinação de parâmetros. Por isto é necessário que o sistema utilizado para mensuração do VaR tenha flexibilidade suficiente (no software BBMRiskControl tanto as volatilidades quanto as correlações entre os ativos podem ser alteradas) e que o risk manager tenha liberdade para “operar” as volatilidades e correlações projetadas para o futuro, às vezes independentemente do que é retratado pelo passado (também deve haver procedimentos operacionais claros para estas situações em que é necessária a intervenção). Nós no BBM, logo após a liberação da banda cambial passamos a utilizar um modelo de previsão de volatilidade do câmbio com base no amortecimento exponencial, com um parâmetro que variava no tempo em função de qual o período de análise que queríamos embutir na estimativa.
No entanto, concordo que o grau de instabilidade da economia brasileira com suas frequentes mudanças de regime e de padrões de volatilidade torna de fato a tropicalização dos modelos de risco uma tarefa longe de ser trivial. O que faz com que o analista de risco tenha que ser mais ativo na sua função, exige agilidade e, de fato, muita experiência com o mercado brasileiro e suas muitas especificidades. Os modelos – acompanhando a nossa economia – são mais instáveis, mas há sem sombras de dúvidas técnicas e modelos apropriados para lidar com todas as especificidades. Muitas vezes torna-se necessário utilizar um misto de metodologias, fazendo com que a análise de risco tenha “múltiplas facetas”. Nós no BBM utilizamos todas as três metodologias para o cálculo do VaR (histórica, analítica e simulação de Monte Carlo), análise de cenários e stress-testing. Cada uma cumpre seu papel, havendo sempre políticas claras para definição de limites e controle operacional.

“Usar volatilidade passada para calcular um risco futuro chega a ser irresponsável”.

À luz do que foi discutido no parágrafo anterior, discordo que seja irresponsabilidade para os ativos/fatores de risco básicos da economia.
Mas concordo que é um absurdo completo no que diz respeito à análise do histórico de cotas de fundos: não é apropriado usar a volatilidade das cotas para prever o risco futuro da carteira, pois muita coisa pode mudar ao longo do tempo (a posição do gestor ou mesmo o próprio gestor).
Cabe enfatizar que, pelo mesmo motivo, o índice de Sharpe convencional deixa de ser a estatística ideal para a escolha de uma carteira de fundos- mútuos. A melhor forma de se acompanhar devidamente o risco de algum fundo é através da análise diária de seu relatório de “Valor sob risco” (no qual devem-se olhar dois números: o VaR probabilístico e o de stress) que será determinado em função do mapeamento de suas posições nos ativos básicos da economia. O risco dos fundos que durante o ano passado deram constantemente rentabilidades astronômicas (e com baixa volatilidade!) só poderia ter sido capturado através de um relatório de “stress testing” num cenário de maxidesvalorização. É por acreditar que a transparência seja um fator fundamental, que a BBM Assets disponibiliza a seus clientes todos os relatórios de risco (inclusive as perdas nos cenários de stress, que também são descritos). O Tripé que norteia a administração de recursos na BBM Assets é qualidade técnica, transparência e compromisso com os objetivos e estratégias definidos para seus produtos – atributos que consideramos imprescindíveis para uma gestão consistente de recursos de terceiros.

Eduarda C. de La Rocque é gerente de pesquisa em análise de riscos do Banco BBM S.A. e vice-presidente da Comissão de Risco da FEBRABAN (o texto reflete a opinião pessoal da autora e não das instituições a que está vinculada).

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