Posição do Brasil beneficia off-shore, PE/VC e FIDCs | Comportamento do Brasil durante a crise atrai investidores estrangeiros e movimenta o crédito
Edição 218
A situação econômica mundial pós-crise ainda complicada, com Estados Unidos e Europa acenando para um período de baixo crescimento, tem levado investidores estrangeiros a buscar maior rentabilidade em países emergentes. As assets management têm aproveitado o momento para conquistar crescimentos expressivos nesse filão, como é o caso por exemplo do Itaú Unibanco Asset Management. A gestora teve alta de 871,74% no primeiro semestre em ativos custodiados via Resolução 2.689 – que permite ao investidor estrangeiro investir diretamente no País. Já a HSBC Gestão de Recursos viu o investimento em seus fundos off-shore ter um crescimento de 252,22% desde junho do ano passado.
As operações de private equity e venture capital também se viram beneficiadas com a conjuntura internacional, com fundos estrangeiros especializados buscando oportunidades fora de seus mercados tradicionais, a América do Norte e a Europa Ocidental. A Tivit, por exemplo, empresa do segmento de tecnologia da informação investida pelo Pátria, foi adquirida pelo fundo londrino Apax em maio deste ano em uma operação que se aproximou de US$ 1 bilhão.
Resolução 2.689 – O aparente paradoxo nessa situação é a queda sofrida pela BNP Paribas Asset Management Brasil, de 17,5% entre janeiro e junho deste ano, a um volume administrado de R$ 3,33 bilhões, ainda na posição de líder do ranking. Segundo o responsável por produtos off-shore da asset, Rafael Bardella, o principal fator para isso foi a retirada de capital dos países emergentes durante a crise. “Parte desses recursos já retornou.
No curto prazo, já vemos reversão da tendência, com crescimento desses ativos”. Segundo ele, esse segmento é um dos focos do BNP para crescer no Brasil. Para isso, o braço de controladoria global da instituição, BNP Paribas Securities Services, se instalou no País desde o início do ano.”Queremos criar uma estrutura para atender clientes nesse segmento e aumentar o volume de serviço disponível. Nossa intenção é que o segmento retome, e rapidamente, o crescimento. Estamos investindo nisso”, afirma.
A asset do Itaú, por outro lado, detectou essa movimentação de estrangeiros e conseguiu um crescimento expressivo nessa área, de 871,74% em seis meses, a R$ 3,14 bilhões. “Sem dúvida, partimos de uma base anterior pequena. Vemos o mercado aquecido e vamos continuar crescendo nominalmente”, diz o diretor de gestão de recursos da asset, Paulo Corchaki. Segundo ele, enquanto o Brasil já superou a crise e mostra um bom nível de crescimento, as economias desenvolvidas seguem sem conseguir se recuperar plenamente. “Desde o fim do ano passado, vemos uma busca muito grande de clientes estrangeiros por ativos brasileiros.” A perspectiva é que essa procura tome um ritmo crescente como tendência de longo prazo. “A percepção de que o País é interessante para investir vai perdurar”, prevê Corchaki.
A BB DTVM e a HSBC Gestão de Recursos também têm se aproveitado dessa movimentação internacional, nesse caso via fundos off-shore.
Enquanto a BB DTVM teve uma alta de 25,16% no primeiro semestre, a um total de R$ 16,63 bilhões, a instituição de origem inglesa conseguiu um crescimento de 17,81% no semestre, a um valor de R$ 15,15 bilhões.
O diretor de investimentos da HSBC Global Asset Management, Mário Sérgio Felisberto, diz que a instituição continuou com um crescimento grande na captação, agora com um foco maior do investidor em renda fixa.
“No ano passado tivemos uma captação mais forte em fundos de ações, mas isso mudou em 2010”, afirma.
Segundo Felisberto, investidores do Japão, que representam cerca de 61% do volume total, já têm mais recursos alocados em renda fixa que em variável. “Dos US$ 5,2 bilhões vindos desses clientes, mais de US$ 2 bilhões estão na renda fixa. Isso tem muito a ver com volatilidade nos mercados no primeiro semestre e o risco dos efeitos que a crise na europa poderia gerar na economia global”, analisa.
Para ele, outro ponto importante para essa migração de recursos foi a ainda alta taxa de juros brasileira. “A renda variável deve mostrar alguma recuperação com o cenário na Europa estabilizado, mas a renda fixa ainda será mais atrativa pelo retorno contra o risco”, estima. Felisberto acredita que nos outros mercados o processo deve ser o mesmo, com a renda variável perdendo espaço. “O movimento de renda fixa tende a ser forte na Ásia como um todo”, prevê.
PE/VC – O crescimento de economias emergentes, enquanto os países desenvolvidos ainda patinam, também atraiu a atenção dos fundos de private equity internacionais. Segundo o sócio de private equity do Pátria Investimentos, Alexandre Saigh, a crise trouxe dois “complicômetros” para esses fundos: primeiro, as economias em que eles tradicionalmente investem, Estados Unidos e Europa, ainda estão com baixo crescimento; segundo, o modelo deles de private equity requer alavancagem e, com a recessão mundial, houve uma grande restrição de crédito para compras alavancadas no setor. “Ao mesmo tempo, as economias emergentes apresentaram crescimento, o que favoreceu que esses fundos olhassem para fazer operações no Brasil”, considera.
Um exemplo, diz ele, é venda da Tivit, empresa do ramo de TI da qual o Pátria era sócia e que foi adquirida pelo fundo inglês Apax em meados de maio. “Essa aquisição deles, sem alavancagem, não é muito comum. Mas nem o Brasil nem as economias desenvolvidas têm alavancagem.
Crescimento nós temos e eles não”, compara Saigh, para logo emendar que os londrinos contam com crescimento e melhoria operacional da Tivit.
Segundo o sócio responsável pela área de private equity da Gávea, Christopher Meyn, o primeiro semestre foi bastante ativo para a asset, com três novos investimentos: um em infraestrutura, outro no setor imobiliário e um terceiro em “alguns investimentos não nomeados no mercado de crédito”. Em sociedade com a Cosan, o fundo entrou na Rumo, uma empresa para prestar serviço ao setor sucroalcooleiro. “Cuidaremos desde transporte e armazenagem até o serviço portuário de exportação. É o círculo fechado de transporte de cana e açúcar”, define. A gestora também entrou como único parceiro da Odebrecht na Odebrecht Realizações (OR), como aposta no setor de construção e desenvolvimento imobiliário.
Ainda segundo Meyn, o mercado para private equity “voltou a ser um pouco mais tradicional”. “O mercado está mais seletivo para os IPOs, não é qualquer empresa que consegue abrir capital direto”, aponta. Isso gerou um aumento no tempo em que o fundo permanece em uma empresa, agora entre três e cinco anos, em relação a 2007, quando a saída, muitas vezes, acontecia ainda no primeiro ano.
Em comum, Pátria e Gávea veem os setores de infraestrutura, consumo interno e imobiliário como os que mais têm oferecido oportunidades.
“Todos os segmentos voltados ao consumo, em geral, são mais analisados, por uma razão simples: a economia brasileira é movida por demanda interna que, com o aquecimento econômico, tem crescido bastante”, diz Saigh, do Pátria. Os setores voltados para a infraestrutura também são muito analisados “dada a demanda do Brasil por investimentos nessa área para conseguir um crescimento sustentável”.
O executivo elege também como prioridade o setor imobiliário, principalmente voltado à baixa renda. “Com o plano do governo federal ‘Minha Casa, Minha Vida’, há grande demanda das classes mais baixas por imóveis”, lembra.
Imóveis – Há também uma procura dos investidores por fundos imobiliários. Apesar de registrar uma queda de 3,09% no semestre, a Rio Bravo Investimentos acredita que o mercado continua aquecido. “Há bastante movimentação. Essa queda pode se dever ao encerramento de alguns fundos que não tinham mais necessidade de existir porque o projeto que os compunha terminou”, avalia o diretor de fundos imobiliários da Asset, Martim Fass. Ele explica que os ativos imobiliários não são marcados a mercado e sofrem redução por depreciação, o que gera a diferença. “Essa marcação é feita apenas em notas explicativas”, informa.
Apesar da redução no semestre, a Rio Bravo teve uma alta de 31,76% em 12 meses nos fundos imobiliários, administrando R$ 2,72 bilhões em junho e ocupando a segunda posição. Segundo Fass, o mercado está vendo a entrada de um grande número de novos players. “Isso é positivo, há mais gente trabalhando para aumentar a base de cotistas”, considera.
O executivo conta que só de ofertas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) houve um salto de R$ 220,44 milhões no primeiro semestre de 2009 para mais de R$ 1 bilhão em 2010. “Creio que os números falam por sí só.”
Fidc – O mercado de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) voltou a ficar mais aquecido após a chegada da Resolução número 3.792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), em setembro do ano passado. “A compra de CCBs pelos fundos de pensão ficou mais limitada com a nova resolução”, afirma Marcelo Xandó, sócio-diretor da Verax Serviços Financeiros, se referindo às Cédulas de Crédito Bancário. Ele explica que a CMN 3.792 estabeleceu alguns guidances para a aquisição desses papéis pelas fundações – um exemplo disso é a exigência de coobrigação de uma instituição financeira caso a emissora não seja uma companhia aberta. “A busca por crédito continuou e os FIDCs voltaram a ser um instrumento ideal para os fundos de pensão terem essa classe de ativos em suas carteiras”, diz Xandó.
Ele acrescenta que o primeiro semestre foi um período de certo estresse no mercado internacional por conta dos problemas iniciados na Grécia. Do ponto de vista da originação de crédito, então, as operações no mercado interno se sobressaíram às lá de fora, situação “ainda mais interessante” para o segmento de FIDCs. “Não tivemos nenhuma dificuldade em compras de ativos no primeiro semestre deste ano”, garante o executivo. A tendência para os últimos seis meses de 2010 é também de demanda aquecida, diante de uma “originação mais farta”. “Vemos a possibilidade de novas estruturas de FIDCs e de novos originadores”, aponta Xandó, citando o potencial do setor de infraestrutura (especialmente na área de concessões públicas) e do Fidc fornecedor. “Os grandes grupos têm uma preocupação com a saúde financeira da sua cadeia de fornecedores. Como a oferta de crédito para muitos desses fornecedores, que em geral são pequenas e médias empresas, ainda é bastante volátil, grandes indústrias e grupos aplicam seu caixa financiando os integrantes da própria cadeia.
No fim das contas, esses grupos correm seu próprio risco de crédito, provendo liquidez e funding para os fornecedores e oxigenando a cadeia.” A diretora superintendente da Bram, Denise Pavarina, também vê o Fidc como um importante instrumento de acesso ao crédito. “O Fidc viabiliza operações para uma série de empresas que têm necessidade de captação e não acessam ainda o mercado de capitais”, comenta. Ela acredita que esse tipo de fundo terá diversos usos ao longo do tempo. “É um mercado crescente que permite securitizações de diferentes tipos de recebíveis”, afirma.
Já a asset do Itaú vê o instrumento com um pouco mais de cautela. Para o diretor Paulo Corchaki, a estrutura do Fidc é complexa e demanda bastante análise. “Esse é um mercado em que não importa se somos grandes ou pequenos. Precisamos olhar profundamente a estrutura e nos sentir confortáveis com os riscos”, diz. Ele ressalva que, em alguns momentos, o Fidc pode ser interessante. “É um produto com o qual se consegue fazer operações mais sofisticadas”, finaliza.