Mais de R$ 2 trilhões | Mercado complicado na renda variável levou investidores para a renda fixa, especialmente fundos de crédito, em semestre em que a indústria cresceu 7,5%
Edição 229
Apesar de uma certa hostilidade do mercado de investimentos, a indústria de gestão de recursos de terceiros conseguiu crescer no primeiro semestre de 2011. Os dados do Top Asset apontam para um patrimônio total de R$ 2,11 trilhão ao final de junho, o que indica um crescimento de 7,46% em relação a dezembro de 2010 e de 11,15% em 12 meses.
Com incremento superior à média do mercado, a BB DTVM continua ocupando o topo do ranking, tendo encerrado junho com volume sob gestão superior a R$ 500 bilhões. “Para a BB DTVM, o primeiro semestre foi muito bom. Atingimos um market share recorde, de 22,32% no fim de junho, e fomos responsáveis por 68% de toda a captação líquida da indústria. Obviamente, os volumes mais expressivos de captação foram registrados nos fundos de renda fixa, como os de curto prazo, os DIs e aqueles atrelados a índices de preços”, detalha Carlos Massaru Takahashi, presidente da BB DTVM.
O executivo comenta que na primeira metade do ano o mercado estava menos volátil do que atualmente, mas lembra que desde o início de 2011 já houve uma série de eventos que tem trazido um movimento de aversão a risco. “Isso favoreceu a BB DTVM. Foi possível verificar uma tendência de busca por uma gestora mais sólida, que trabalha com produtos voltados para preservação de capital”, opina. Takahashi acrescenta que não foi vista uma grande migração dos investidores dos produtos de renda variável para os de renda fixa. “A maior parte dos recursos que ingressaram na renda fixa veio de fora, tanto que a captação líquida foi positiva. O volume de renda variável sofreu uma pequena redução durante o primeiro semestre, mas nada que dê uma sinalização de fuga em manada, uma aversão a risco mais forte”, pondera.
Em segundo lugar no ranking, o Itaú também não viu nenhuma corrida da renda variável. “Os clientes estão tranquilos em suas posições, mas também não está havendo aplicação”, compara Paulo Corchaki, diretor de gestão de recursos da Itaú Asset Management. Ele lembra que uma das surpresas negativas para o mercado na primeira metade do ano foi a profundidade da crise europeia. “Esse já era um assunto conhecido no começo do semestre, mas sem dúvida se agravou mais do que se esperava. O mercado tinha a percepção de que a condução política da situação poderia ter sido muito melhor do que foi”, analisa o executivo.
Corchaki completa que também houve uma certa decepção em relação aos Estados Unidos, uma vez que a expectativa em torno do crescimento do país era mais otimista do que a realidade acabou se mostrando.
Renda fixa – Naturalmente, os fundos de renda fixa acabaram chamando a atenção ao longo dos seis primeiros meses do ano. Entre os segmentos da categoria, Denise Pavarina, superintendente da Bram – Bradesco Asset Management, destaca os fundos de crédito privado. “O interesse por fundos de crédito cresceu nos últimos meses. Houve migração dos multimercados para os fundos de crédito, e essa tendência foi mais concentrada do segundo trimestre em diante”, diz a executiva. A Bram ficou em terceiro lugar no Top Asset, com R$ 263,80 bilhões ao fim de junho, seguinda pela Caixa Econômica Federal, com R$ 261,63 bilhões.
Em quinto lugar aparece a Santander Brasil Asset Management, que terminou o primeiro semestre com patrimônio de R$ 121,25 bilhões.
Eduardo Castro, superintendente executivo de investimentos da gestora, conta que a primeira metade de ano foi positiva para a asset. “O período foi bom para quem faz uma gestão mais ativa na renda fixa, que é o nosso caso. Houve uma transformação dos cenários durante o semestre até as últimas semanas”, aponta.
Castro recorda que 2001 começou com um cenário positivo para a economia do País, com confiança na indústria e consumo em alta, mas também com a inflação subindo em um ritmo acelerado. Ao longo do semestre, a estratégia da gestão de renda fixa da asset adotou duas atitudes principais, sendo que a primeira foi de uma gestão mais ativa entre os juros reais e nominais. “Nossa análise era de que os juros efetivamente subiriam no início do semestre. Depois, vimos que o ciclo de alta começava a se inverter”, afirma. A outra tática foi promover uma maior diversificação entre os títulos públicos e os privados como as debêntures e Letras Financeiras. “Começamos com posições dadas em taxas nominais e agora invertemos para taxas de juros reais”, descreve.
Independentes – Em primeiro lugar no ranking de assets independentes está o BNY Mellon ARX Investimentos, seguida de perto pela segunda colocada, a Western Asset Management. O BNY Mellon ARX encerrou o semestre com mais de R$ 31 bilhões. Vale lembrar, porém, que nesse total estão incluídos fundos passivos constituídos na época das privatizações. O patrimônio líquido referente à gestão ativa, em que estão fundos long only, long and short, multiestratégia e de renda fixa, somava R$ 11 bilhões em junho. José Tovar, responsável pelo BNY Mellon ARX, lembra que 2010 foi um ano “excepcional” para a asset, principalmente na parte de ações, em que os resultados gerados pela gestora ficaram muito acima do Ibovespa. “Sabíamos desde o fim de 2010 que 2011 seria um ano mais difícil, em que não havia tantas oportunidades e que o valuation das companhias já estava mais caro. Também achávamos que o mundo poderia passar por uma nova sacudida, dado que os problemas na Europa não estavam se resolvendo”, diz o executivo. Diante disso, a asset iniciou 2011 um pouco mais defensiva, reduzindo a alocação em commodities e aumentando a exposição a empresas ligadas ao consumo doméstico. Foi o nosso acerto. Mais recentemente, porém, houve uma piora na percepção dos mercados por conta das más notícias vindas dos Estados Unidos. Isso trouxe uma aversão a risco e, consequentemente, a Bolsa caiu praticamente em linha. Mesmo assim, nossos fundos estão resistindo bem quando comparados ao Ibovespa e à indústria”, observa Tovar.
O executivo comenta que as recentes turbulências são consequência e continuação da crise de 2008, mas com características diferentes. “Não se trata de uma crise bancária, com todo aquele problema sistêmico. O que existe agora é um crescimento medíocre das principais economias do mundo (com exceção da China), sem que esse quadro possa ser revertido por meio de gastos fiscais, uma vez que os países maiores já estão com o espaço fiscal reduzido. O que resta saber é se a China vai acompanhar essa desaceleração do crescimento ou se vai continuar sendo a força motora do mundo”, aponta.
Por enquanto, a estratégia do BNY Mellon ARX em renda variável tem sido tomar uma postura mais defensiva sem perder de vista as oportunidades de compra. “Se houver ações muito baratas entre aquelas das quais nós gostamos, vamos comprar mesmo que o cenário ainda seja de incerteza e aversão a risco”, avisa. Ele explica que a estratégia da gestora é muito mais de analisar fundamentos do que o “momento psicológico do mercado”. “Investimos olhando o longo prazo, não somos imediatistas. E já fazemos isso há muito tempo. Passamos por outras crises e sabemos que, se as compras são feitas com base em fundamentos, quando o pânico desaparece as ações de empresas de valor sobem”, garante Tovar.
A Bram também está olhando atentamente para as oportunidades que surgem na Bolsa. “Há oportunidades interessantíssimas de aquisição na Bolsa, mas por outro lado existe essa dúvida sobre como a Europa vai conduzir a solução para os problemas que está enfrentando. Enquanto não houver definições mais claras, o mercado continuará complexo”, ressalva Denise Pavarina. Paulo Corchaki, do Itaú, acredita em uma recuperação gradual da renda variável. “Em 2008, o mercado despencou, para em 2009 se recuperar em uma velocidade absurda. Agora é diferente. Conseguimos ver a renda variável caminhando positivamente, mas a recuperação será lenta”, opina ele, para quem a retomada nos Estados Unidos e na Europa também será gradativa. “Teremos um período longo, de dois ou três anos, de tudo meio devagar”, estima.
Takahashi, da BB DTVM, acredita no crescimento da indústria de fundos no Brasil na segunda metade do ano, uma vez que perto de 80% dos ativos em que se investe são papéis de renda fixa, com grande participação dos títulos públicos. “É natural que o investidor migre para posições mais líquidas e seguras, e os portfólios de renda fixa acabam ganhando. Por isso, o ritmo de crescimento da indústria deve se manter. Sob esse aspecto, será um bom semestre. Do ponto de vista do comportamento do mercado, porém, os gestores ainda terão muitas noites mal dormidas pela frente.”