Entrevista

Chamam de intervencionismo o que é regulação

Edição 57

Paulo Kliass, da SPC

O titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Paulo Kliass, faz nesta entrevista à Investidor Institucional um apanhado das principais questões envolvendo os projetos de lei complementar sobre a reforma da previdência e o novo modelo de gestão de investimentos, que segundo ele deve ser votado numa das próximas reuniões do Conselho Monetário Nacional. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista de Kliass.

Investidor InstitucionalOs projetos de reforma apresentados pelo governo estão sendo considerados por alguns fundos de pensão como excessivamente intervencionistas. O que você acha dessa avaliação?
Paulo Kliass – O problema do intervencionismo está colocado por parte das pessoas que consideram a criação da agência, de um órgão regulador, como um instrumento exagerado e injustificado de intervenção do Estado.
Na verdade, o que está acontecendo é o seguinte: se você olhar numa perspectiva de horizonte de médio a longo prazo você vê que, nesta última década, o Brasil está passando por um processo que outros países já viveram, de deixar de operar diretamente como um produtor de mercadoria ou como fornecedor de bens e de serviços na áreas de saúde, energia elétrica, telecomunicações etc e passar a atuar como órgão regulador, fiscalizador e normatizador desses sistemas. O que chamam de intervencionismo é simplesmente regulação.

IIO Paulo Rabelo de Castro diz que contou 77 vezes a palavra órgão nos três projetos somados do governo. Isso não seria intervencionismo?
PK – Vamos pegar o caso da Anatel, da Anel, da Agência Nacional de Petróleo. Elas são classificadas pelo Estado como agências reguladoras, como existem em muitos outros países do mundo. Os EUA, mesmo não sendo um país intervencionista, têm uma série de agências reguladoras operando e aplicando multas.

IIAs entidades do sistema reclamam que não foram ouvidas na hora do governo fazer esses projetos. Poderia ter havido mais consultas?
PK – Na verdade, essas discussões vêm acontecendo há quatro anos através de uma série de debates da questão previdenciária e de eventos que foram realizados ao longo desse período, comissões que foram constituídas, grupos de trabalho, seminários, simpósios, etc. Temos uma enorme quantidade de materiais na Secretaria. Ao longo desse período, foi feita uma triagem das sugestões e algumas delas foram incorporadas ao projeto de lei. O que houve mais recentemente é que, uma vez aprovada e promulgada a emenda, o governo tinha 90 dias para apresentar o projeto para a Câmara dos Deputados e as entidades do sistema não apresentaram nesse período suas sugestões de uma maneira bem explícita. As entidades acabaram apresentando, nesta parte mais final, algumas sugestões mas como o sistema tem um mosaico muito grande de interesses – entidades de aposentados, entidades de participantes ativos, entidades da área pública, entidades da área privada, entidades da previdência aberta, entidades da previdência fechadas –, na prática é muito difícil assumir exclusivamente a proposta de um desses setores em detrimento de outro. O que o governo tentou fazer foi justamente a triagem do que fosse o mais próximo possível do consenso.

IIComo fica a questão do vesting?
PK – Estamos definindo de uma maneira mais concreta a questão da portabilidade e do benefício diferido, que no mercado chamam de vesting.
A idéia é que você tenha esses institutos jurídicos definidos na Lei Complementar pois, se não for agora haverá dificuldade de fazê-la mais à frente, porque a Emenda Constitucional nº 20 determina que toda a matéria de previdência complementar tem que ser objeto de tratamento de lei complementar.

IIO participante poderá levar suas contribuições e as da patrocinadora?
PK – Ainda não temos um detalhamento de como vai operar a portabilidade, o benefício diferido, o vesting, mas a determinação de que eles vão ser possíveis de utilização pelo sistema é importante de se fazer.
A idéia da Secretaria é que, primeiro, a portabilidade não seja encarada de maneira alguma como uma panacéia, como aconteceu alguns anos atrás no Chile, que achou que a liberdade irrestrita de migração dos recursos seria um elemento positivo. O que não foi, de maneira nenhuma, porque você tem que introduzir elementos de carência, a pessoa tem que passar muito tempo numa empresa, algum tempo na associação, para poder fazer essa migração

IIComo será no Brasil?
PK – Quanto à portabilidade, a transferência será feita de um fundo para outro, mas sempre no sistema. Vamos supor que um sujeito sai de uma empresa e vai para outra, então os direitos acumulados que ele tenha vão do fundo A para o fundo B. O vesting já reconhece outras possibilidades.
Imagine que uma pessoa não passe de um emprego para outro automaticamente, ou mesmo que ela saia de uma empresa e passe a trabalhar como autônoma, ou que durante um determinado período ela saia do país, ou outra situação qualquer. Hoje em dia, em geral, quando a pessoa pára de contribuir ela tem uma redução de seus direitos, às vezes ela até perde os seus direitos dependendo do estatuto do seu fundo. Em alguns casos, e aí vamos ver no momento da regulamentação, uma pessoa que fique desempregada por alguns meses poderia ter acesso a uma parte desse recurso liquidamente, na forma monetária, mas de maneira nenhuma ao conjunto desses recursos.

IIUma das questões mais importantes para os fundos de pensão é a da imunidade tributária. Os projetos não poderiam ter tratado dessa questão de uma vez por todas?
PK – Não, porque a questão da imunidade tributária é basicamente uma questão constitucional. O que podemos conseguir, do ponto de vista de lei, seja de lei ordinária ou de lei complementar, são decisões de isenção, focalizando não a imunidade mas a isenção para este ou aquele imposto.

IISó que a isenção não é definitiva, ela pode mudar a cada governo.
PK – Não se você estabelecer essa isenção em lei. Para mudar a isenção que está em lei, não basta só a vontade do governo, você precisará mudar a lei. Não é um decreto, é uma lei.

IIO tratamento tributário continuará sendo diferente para a previdência aberta e fechada?
PK – Sim. Neste projeto está colocado de uma maneira mais explícita que as entidades abertas tem que ser necessariamente com fins lucrativos e as entidades fechadas são sempre sem fins lucrativos, dada essa característica mais de solidariedade, de mutualismo digamos assim.

IIA diferenciação tributária será baseada nessas características?
PK – Sim, exatamente. Essa é a tradição de como o Brasil faz essa diferenciação tributária, é definir se tem ou não fins lucrativos. Mesmo que elas estejam sob a mesma organização reguladora ou fiscalizadora, de maneira nenhuma implica que você vai dar o mesmo tratamento a elas.

IIPorque o projeto passou a prever multas tão altas, como até R$ 1 milhão?
PK – Se você não tiver esse tipo de previsão agora, dificilmente vai conseguir fazer isso mais à frente, porque teria que ter uma nova lei complementar tratando da matéria. Se você comparar, por exemplo, a penalização prevista no projeto de lei nº 10, ela é a menor de todas estas áreas que estão sendo regulamentadas recentemente pelo governo, como saúde, telecomunicações, energia elétrica, que têm penalizações muito maiores, de R$ 10 milhões, R$ 20 milhões, até R$ 60 milhões no limite.
O que acontece é que não dá para continuar com a situação de hoje, com alguns processos que vão ao Conselho de Gestão e muitas vezes o fundo prefere pagar a multa, de tão baixa que é, do que discutir com a SPC. Há multas de até R$ 400 reais.

IIComo será a passagem dos funcionários públicos para o sistema de fundos de pensão?
PK – No modelo novo, o responsável pelo pagamento da aposentadoria não vai mais ser o orçamento do estado ou do município, mas vai ser o INSS ou alguma coisa do tipo do INSS até o limite dos 10 salários mínimos e a complementação vai ser feita através do caixa dos fundos de previdência. Então, o comprometimento do orçamento do estado, do município ou da União fica bastante aliviado.

IIHaverá restrições para a criação de fundos de pensão de municípios?
PK – O município terá que ter condições mínimas de operacionalização, não vai ser toda prefeitura que vai poder constituir o seu fundo. Não sei qual será o mínimo de funcionários, mas algum número vamos ter que ter como exigência mínima, porque tem prefeituras com 20 a 30 funcionários e não se justifica ela ter a sua entidade. Mas ela poderá ter o seu plano de benefícios através de um elemento que vai ser muito importante no futuro do sistema, que são os fundos multipatrocinados previstos no projeto 10.

IIComo está a discussão sobre o modelo de gestão de investimentos?
PK – Esse é um assunto que vem sendo discutido já há um bom tempo com o sistema. Eu cheguei na Secretaria há menos de 1 ano e esse modelo já vinha sendo discutido com uma série de entidades. O que estamos fechando agora é a forma final da resolução e isto, provavelmente, vai ser discutido e votado na próxima reunião ou numa das próximas reuniões do Conselho Monetário Nacional. O modelo torna um pouco mais visível a realidade econômico-financeira e a realidade atuarial das fundações. Hoje, você tem um sistema que não incorpora um elemento importante que é o risco na avaliação dos ativos. Se você pega uma entidade que tem um valor 100 de renda fixa, e que tenha esses 100 com precatórios de Alagoas, e outra entidade que tenha 100 em títulos do Banco Central ou Títulos do Tesouro Nacional, a possibilidade de realização desse valor 100 é totalmente diferente num caso e em outro.
Por isso a idéia de você incorporar os modelos do tipo VaR (Value at Risc), incorporar o risco ao valor monetário. Além disso, você cria um macro- segmento e dentro desses macro-segmentos você abre uma outra possibilidade, que são os mercados dos setores emergentes, que podem contar com os recursos de longo prazo da área previdenciária.

IIMas isso representa a necessidade de precificar a mercado, e isso além de ser caro é difícil, em alguns casos. Precificar renda variável é fácil, mas precificar títulos de Alagoas já é bem mais difícil. Como isso será feito?
PK – Algumas questões podem, eventualmente, implicar em algum custo adicional para as entidades. Mas é importante observarmos que não dá mais para continuarmos no jogo do faz-de-conta, um fazendo de conta que está controlando, regulando, fiscalizando o sistema e as entidades fazendo de conta que estão oferecendo essas informações para a sociedade, através da Secretaria. Então, de qualquer maneira, o benefício que a sociedade vai obter através desse tipo de ação é muito maior do que eventual custo adicional que possa ter. Além disso, você vai ter o surgimento do lado da oferta desse tipo de serviço. Então você passa a ter exigência desse tipo de operação, por parte das fundações, mas vai ter o surgimento de uma série de empresas que vão oferecer esse tipo de serviço, como acontece em outros países.

IIÉ irreversível esse novo modelo de gestão de investimentos?
PK – O irreversível é o processo da sociedade, estabelecendo mecanismos de sofisticação do seu controle. O que as pessoas na verdade acabam encarando de uma forma equivocada é imaginar que você tem um elemento de alta aplicabilidade das resoluções do Conselho Monetário da noite para o dia. De jeito nenhum. Só o fato de você ter previsto numa eventual resolução do Conselho Monetário este ou aquele instituto, isto não implica necessariamente que da noite para o dia todos os fundos vão ter que passar a aplicar e se comportar daquela maneira. Obviamente, haverá mais à frente a previsão de prazos de transição para que essas incorporações, essas inovações possam ser realizadas.

IIQual a avaliação da SPC com relação ao futuro da previdência complementar.
PK – Temos alguns estudos que foram feitos dentro da Secretaria pensando no que aconteceria no horizonte do sistema se essas novidades, como a figura do instituidor, do patrocinador para estados, municípios e união se concretizarem, e as estimativas mais conservadoras, mais prudentes na avaliação do crescimento, falam na duplicação do sistema num horizonte de 4 a 5 anos. Então, realmente, o potencial de crescimento é um potencial muito grande.

IIDe onde vem este crescimento, dos estados e municípios ou dos sindicatos e outras organizações?
PK – A contribuição mais imediata vem da parte dos instituidores, que seriam então as entidades sindicais ou as organizações profissionais ou as associações de classe, mas também não poderíamos desconsiderar a parte que viria dos estados e municípios e mesmo da União, quando essa constituísse seu fundo de previdência complementar. Hoje, o universo de funcionários públicos, nos três níveis, é alguma coisa entre 900 mil e 1 milhão de pessoas. Só isso daria um crescimento de 50% do ponto de vista do número de participantes, em relação ao que existe hoje, fora todo o potencial de crescimento com a inovação dos instituidores.

IIVocês estão tendo demanda de informações nessa área?
PK – Estamos recebendo muitos pedidos de informação. Você tem uma série de entidades nacionais, representativas de categorias bastante numerosas (sindicatos, organizações profissionais, confederações, organizações de profissionais liberais) que estão só esperando a lei ser aprovada. Uma questão que aparece como crítica, e que é importante ser precisada, é no sentido de evitar um eventual descontrole do sistema. Na verdade, você tem na legislação a possibilidade de criação das instituições por parte dos sindicatos ou das organizações, mas isso obviamente vai passar pela solicitação junto ao órgão regulador, ao órgão fiscalizador e você vai ter que atender a uma série de requisitos que vão ser definidos posteriormente para que não seja um festival de aventuras.

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